3. TEORIA SUBJETIVA
De acordo com o analisado, foram os próprios comerciantes que fizeram surgir o Direito Comercial, editando as normas reguladoras de sua atividade. “Na Idade Média a intensificação das feiras nas cidades medievais fez surgir a profissão de comerciante e consequente a classe burguesa em contraposição à classe feudal. O direito comum não regulamentava a atividade comercial, posto que a profissão de mercador era considerada indigna pela igreja” [5].
Em consonância com o professor Rubens Requião, “nessa fase histórica que começa a se cristalizar o direito comercial, deduzido das regras corporativas e, sobretudo, dos assentos jurisprudenciais das decisões dos cônsules, juízes designados pela corporação, para, em seu âmbito, dirimirem as disputas entre comerciante” [6].
Este período era considerado subjetivo, pois somente os matriculados em determinadas corporações tinham sua atividade disciplinada pelo ordenamento comercial da época e estavam sujeitos a determinados privilégios que não cabiam aos demais.
Nesse sentido Rubens Requião expõe que, nesta fase tem-se o período “estritamente subjetivista do direito comercial a serviço do comerciante, isto é, um direito corporativo, profissional, especial, autônomo, em relação ao direito territorial e civil, e consuetudinário” [7]
Por haver institutos que não se adequavam a teoria puramente subjetiva e pela necessidade de se delimitar o conceito da matéria comercial, entre outros fatores, iniciou-se a formação e expansão da teoria sobre atos de comércio.
4. O DIREITO COMERCIAL E A FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS
Com a queda de Constantinopla em 1543, período que marca o início da Idade Moderna, dá-se o declínio das repúblicas italianas, que até aquela época possuía a hegemonia do comércio europeu. Dominação essa que passa, em um primeiro momento, para Portugal e Espanha, pois com o fechamento do caminho para o oriente precisava-se de novas saídas para o comércio, e esses países tiveram extremo sucesso na descoberta de novos acessos para desenvolverem e expandirem suas atividades mercantis. Foi o período das grandes navegações e do surgimento dos Estados Nacionais.
Vale ressaltar que, apesar de a Itália ter perdido a sua hegemonia no comércio, deve-se à Escola Italiana a mais completa obra sobre as leis e usos comerciais antigos.
Fazendo uma breve retrospectiva histórica, observaremos que durante a Idade Média a Europa estava dividida em feudos, completamente autônomos, e o Direito Comercial, de caráter subjetivo, era aplicado aos seus próprios criadores, os comerciantes, que se organizavam em corporações de classes. Com a unificação dos estados, ou seja, a criação dos Estados Nacionais, era imprescindível haver um Direito Comercial Nacional aplicável a todos os cidadãos e não mais um direito de classes isoladas, aplicável àqueles que nelas estavam matriculados.
No processo de unificação nacional da Inglaterra e da França a criação de normas que disciplinavam as atividades mercantis, apesar de precederem outros fatores também importantes na criação de um Estado Nacional, tomaram caminhos completamente distintos. Enquanto na Inglaterra a absorção da jurisdição das corporações mercantis pelos tribunais da Common Law é total, na França “as corporações dos comerciantes, paulatinamente, perdem competência jurisdicional para tribunais do estado nacional em gestação, mas continua a existir um direito fundado nos usos e costumes dos comerciantes e apenas a eles aplicável – caracterizado, portanto, pelo subjetivismo” [8].
O professor Fábio Ulhoa [9] explica que “o direito de tradição inglesa, ao contrário do de tradição romanística, desde este período, não conhece distinção entre atividades comerciais e civis”.
Com a formação dos estados nacionais e o consequente crescimento do poder central, as normas de Direito Comercial, antes resultantes de costumes, passaram a emanar do próprio Estado. O direito mercantil adquiriu índole nacional, perdendo o caráter de um direito da comunidade internacional dos comerciantes [10].
A primeira ordenação especializada foi apresentada pela França em 1673, conhecida como o Código de Savary, versava sobre o comércio terrestre (comércio, indústrias e bancos).
5. TEORIA OBJETIVA
No período contemporâneo as corporações deixaram de existir e o Direito Comercial ganhou corpo próprio. Isto devido aos ideais da grande Revolução Francesa que, extinguindo privilégios da nobreza, deu grande vitória ao povo. Com isso não mais se justificaria as corporações de classes, além do mais, com o início do liberalismo, a liberdade de trabalho e indústria passou a ser uma segurança de todo cidadão.
Em 1791, a Lei de Chapelier, aboliu na França qualquer associação profissional, proclamando a liberdade do trabalho e do comércio. Com isso foi preciso uma reforma das ordenações que ainda continham velhos privilégios.
Depois de muito debate, influenciado pelo Código Civil de Napoleão de 1804, nasce na França, em 1808, o Código Comercial Napoleônico marcando o início da objetivação do Direito Comercial. A partir desse período, surgem normas jurídicas que passam a disciplinar atos de comércio e não mais corporações ou pessoas a elas filiadas. Sendo assim, qualquer um que pratique ato mercantil, exercendo dessa forma o comércio, passa a gozar de alguns privilégios concedidos por uma disciplina jurídica específica.
Para boa parte da doutrina o código napoleônico, por reproduzir parcialmente o direito anterior, já nasce ultrapassado. “Contudo, teve a virtude de haver construído um sistema objetivo, não mais considerando o direito comercial, como um direito dos comerciantes, porém o direito próprio dos atos de comércio enumerados pela lei” [11].
Em consonância com Lucíola Fabrete [12], “a proposta da teoria dos ato de comércio é alterar o modo de classificar o comerciante de subjetivista (aquele que estava matriculado), para um critério objetivista (atividade comercial)
Assim, nessa fase não importa se o comerciante está matriculado em alguma corporação de mercador. É a sua atividade que fará com que ele seja sujeito do Direito Comercial, passando então a ter direito a certos privilégios como, por exemplo, a falência e a concordata.
Depois da codificação francesa, vieram outros movimentos legislativos, como o Código Comercial Espanhol de 1829, o Código Comercial Português de 1833, o Código Comercial Italiano de 1865, o Código Comercial Alemão de 1861, entre outros – todos de caráter objetivo.
Uma das maiores dificuldades dessa teoria é conceituar, cientificamente, os atos de comércio. Verifica-se que, por não ter um conceito universal, essa conceituação fica a mercê de cada legislação, ou seja, é ato de comércio o que a lei aceitar como tal. Essa crítica não invalida o esforço da doutrina em tentar conceituar ou classificar os atos de comércio.
Citando Rocco, Fábio Ulhoa escreve o seguinte [13]: “Rocco inicialmente os distingue como atos intrinsecamente comerciais, para em seguida classificá-los em quatro categorias: compra para venda, operações bancárias, empresas e seguros. Nessas quatro espécies de atos de comércio, identifica então o elemento comum da troca indireta, isto é, a interposição na efetivação da troca”.
Essa dificuldade em estabelecer um conceito jurídico ou científico do que seria ato de comércio, tomou a teoria objetiva lacunosa, deixando de abranger outras importantes atividades econômicas como, por exemplo, as de prestações de serviços. Diante da evolução de tais atividades é cada vez mais tendencioso a unificação do direito privado.
5.1 O SISTEMA FRANCÊS NO DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO
Antes de abordar a influência e importância do sistema francês no Direito Comercial Brasileiro, oportuno estudar o período histórico em que o Brasil se encontrava no início do século XIX.
Em 1808, com a abertura dos portos às nações amigas, tem-se o marco inicial do Direito Comercial brasileiro. Este ato, apesar de provisório, deixou consequências econômicas irreversíveis. Neste mesmo período a Família Real portuguesa fugiu para o Brasil, acarretando diversas transformações políticas e econômicas na colônia. A partir daí foram editados importantes atos que disciplinavam o comércio.
Em 1821, com o retorno de D. João VI para Portugal, o Brasil estava pronto para se tornar uma nação independente economicamente, surgindo assim o Estado Brasileiro. Em 1822 dá-se o grito de independência. Daí em diante passou-se a aplicar as leis portuguesas, vigentes em Portugal na data do retorno de D. João VI, no Brasil.
De acordo com Fábio Ulhoa [14], “o Brasil vivia, então, uma época de crescimento econômico, chegando a ser mais atraente que certos lugares da Europa. Tanto assim que o próprio rei português adiou quanto pode seu regresso”.
Com uma economia em real expansão, o Brasil precisava de um Código Comercial próprio para suprir as lacunas até então existentes. Em 1850 D. Pedro II aprovou o projeto de Código Comercial Brasileiro que, como veremos, sofreu forte influências do Código Napoleônico baseado na teoria dos atos de comércio.
Apesar de não utilizar a expressão atos de comércio, deixando para um regulamento próprio a definição de mercância, o Código Comercial Brasileiro de 1850 inspirou-se diretamente no Code Commerce, trazendo para o direito nacional o sistema francês de disciplina privada da atividade econômica